terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

MODERNIDADE




por Frei Betto

Ao viajar pelo Oriente, mantive contatos com monges do Tibete, da
Mongolia, do Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos,
recolhidos e em paz nos seus mantos cor de açafrão.

Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de
espera cheia de executivos com telefones celulares,
preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam, com
certeza já haviam tomado café da manhã em casa, mas como a companhia
aérea oferecia um outro café, todos comiam vorazmente. Aquilo me fez
refletir: Qual dos dois modelos produz felicidade?

Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei:
'Não foi à aula?' Ela respondeu: 'Nâo, tenho aula à tarde'. Comemorei:
'Que bom, então de manhâ você pode brincar,dormir até mais tarde'.
'Nâo', retrucou ela, 'tenho tanta coisa de manhã...'
'Que tanta coisa?', perguntei. 'Aulas de inglês, de balé, de pintura,
piscina', e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei
pensando: 'Que pena, a Daniela nâo disse: 'Tenho aula
de meditação!

Estamos construindo super-homens e super mulheres, totalmente equipados,
mas emocionalmente infantilizados.

Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis
livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de
ginástica e três livrarias!
Nâo tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a
desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos
morrer esbeltos: 'Como estava o defunto?'. 'Olha, uma maravilha, não
tinha uma celulite!'

Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da
ociosidade amorosa?

Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Trancado em seu quarto,
em Brasília, um homem pode ter uma amiga í­ntima em Tóquio, sem nenhuma
preocupação de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra! Tudo é
virtual. Somos mí­sticos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos
virtuais. E somos também
eticamente virtuais...

A palavra hoje é 'entretenimento'; Domingo, então, é o dia nacional da
imbecilização coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se
apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde
diante da tela.
Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que
felicidade é o resultado da soma de prazeres: 'Se tomar este
refrigerante, vestir este tênis, usar esta camisa, comprar este carro,
você chega lá' O problema é que, em geral, não se chega!
Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba precisando de um
analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.
O grande desafio é começarar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse
condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se
viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são
indispensáveis:
amizades, autoestima, ausência de estresse.

Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Na Idade Média, as
cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil,
constrói-se um shopping-center. É curioso: a maioria dos
shoppings-centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas;
neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de
missa de domingo. E ali dentro sente-se uma
sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas
calçadas...

Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela
musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas
aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por
belas sacerdotisas. Quem pode
comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Deve-se passar cheque
pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, então sente-se
no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no
inferno... Felizmente, terminam todos
na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o
mesmo hamburguer do Mc Donald...

Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: 'Estou
apenas fazendo um passeio socrático.' Diante de seus olhares
espantados, explico:
'Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça
percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o
assediavam, ele respondia: _"ESTOU APENAS OBSERVANDO QUANTA COISA EXISTE
DE QUE NÃO PRECISO PARA SER FELIZ !"_

_FREI BETTO_

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